segunda-feira, 30 de maio de 2016

Resolução do seguinte caso prático:


Alberto apresentou nos serviços da Câmara Municipal de Alcochete um pedido de licenciamento para abertura de um restaurante na avenida marginal daquela vila ribeirinha.
Pouco tempo depois, o pedido veio indeferido apenas com a indicação de que a Assembleia Municipal havia sido chamada a pronunciar-se sobre o assunto e que havia deliberado negativamente porque “não eram necessários mais estabelecimentos de restauração na zona ribeirinha”.
Alberto atribuiu a decisão ao facto de Bento, proprietário de um próspero restaurante situado na mesma avenida marginal, ser também o Presidente da Assembleia Municipal. Com o objectivo de esclarecer a situação, deslocou-se aos serviços da Câmara Municipal para saber o que se tinha passado na reunião da Assembleia Municipal, mas foi-lhe dito que, como o Presidente desta tinha determinado que a mesma não seria pública, as actas também não podiam ser divulgadas.
Entretanto, Alberto, que se sente gravemente injustiçado, decide rebelar-se e faz um opíparo jantar de inauguração do restaurante, para o qual convida Carlos, seu amigo e Presidente da Câmara, que, no final da refeição, o autoriza em conversa e perante várias testemunhas a manter o restaurante provisoriamente aberto até que a situação se resolva em definitivo.
Dias depois, Carlos pede o processo aos serviços e emite um despacho de deferimento do pedido de licenciamento apresentado por Alberto.
Quid iuris?


Em primeiro lugar, uma vez que estamos perante a atribuição de uma licença por parte da Administração Pública a um particular, trata-se de um acto administrativo, pois consiste numa situação individual e concreta com conteúdo decisório (atribuir a licença ao Alberto ou não) e com eficácia externa (efeitos jurídicos na esfera de terceiros, neste caso com a abertura do restaurante), estão assim cumpridos cumulativamente os requisitos do art.148º do CPA pelo que estamos perante um acto administrativo.

Trata-se de uma licença e não de uma autorização pois trata-se de um pedido para adquirir um direito de exercer atividade que lei proíbe, exceto quando a Administração, através de uma licença, o permita e não de permitir ao Alfredo o exercício de um direito pré-existente.

Sendo um acto administrativo está sujeito ao CPA e ao procedimento administrativo do CPA. Aplicamos então o procedimento administrativo tendente à aprovação de actos administrativos. Todas as fases do procedimento têm de estar cumpridas começando pela fase inicial, onde se dá início ao procedimento (art.102º e seguintes), seguida da fase de instrução destinada à averiguação dos factos que interessem à decisão final e à recolha de provas necessárias. Quanto à fase da audiência dos interessados, esta constitui uma das mais importantes, traduzindo dois princípios fundamentais: o Princípio da Colaboração da Administração com o particular e o Princípio da Participação. De seguida assistimos à fase da decisão, cabendo esta ao órgão competente para decidir e terminando com a fase complementar onde são praticados certos actos e formalidades posteriores à decisão formal do procedimento.

Para iniciar este procedimento o pedido de Alfredo tem de ser então um requerimento, à luz do art.53º, sendo o processo desencadeado pelo particular.

Relativamente à Assembleia Municipal de acordo com o art.25º/1/n da  lei 75/2013 esta pode deliberar acerca destes assuntos, tendo convertido este acto num acto administrativo negativo uma vez que houve um indeferimento. O pedido do Alfredo foi de um acto positivo no entanto não foi este que se concretizou. Quanto à justificação da Assembleia para o indeferimento teremos de considerar os pressupostos de fundamentação do acto previstos no art.152º do CPA, o dever de fundamentação é então obrigatório e tem de deixar os motivos esclarecidos, ou seja tem de ser clara e não contraditória para que o particular compreenda os motivos da Administração (153º). Neste caso é clara e não contraditória no entanto apesar de invocar preceitos de facto há uma insuficiência na demonstração das razões de direito que levaram à prática desse acto. Existe, então um problema de fundamentação insuficiente, que à luz do art.153º/2 equivale à falta de fundamentação. Equivalendo à falta de fundamentação estamos perante um vício de forma, relativamente ao qual não há unanimidade acerca do desvalor. Para alguns aplica-se o regime da anulabilidade, constante no art.163ºCPA, para outros tratando-se de um dever fundamental por remissão ao art.268º/3 da CRP aplica-se o regime da nulidade do 161º/2/d do CPA.

É importante considerar que não há qualquer referência no presente caso à realização da audiência dos interessados, esta está consagrada no artigo 121º e seguintes do CPA e é uma das fases do procedimento. Em regra, a lei manda aplicar esta formalidade sempre que a Administração se incline para uma decisão desfavorável aos interessados. Neste caso para além de estarmos perante uma decisão desfavorável não se cumpre nenhum dos requisitos do art.124º do CPA que preveem situações de dispensa desta formalidade. Assim sendo, a deveria ter sido realizada a audiência dos interessados uma vez que a consequência deste vício se prende, para uns com a anulabilidade do acto consagrada no art.163º, para outros este dever de audiência prévia trata-se de um dever constitucional à luz do art.267º/5 da CRP pelo que o seu esquecimento ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental, gerando nulidade no âmbito do art. 161º/d.

Relativamente ao deferimento por parte do Bento estamos perante uma situação de violação do Principio da Imparcialidade (art.9º CPA) na sua vertente negativa, ou seja na ideia de que os titulares de órgãos e os agentes da Administração Públicas estão impedidos de intervir em actos que digam respeito a questões do seu interesse pessoal, da sua família ou de pessoas com quem tenham relações económicas especiais, a fim de que não possa suspeitar-se da isenção ou retidão da sua conduta. Neste caso, a abertura do restaurante de Alberto na mesma zona do restaurante já existente de Bento poderia ser uma situação desfavorável a nível económico para este último que ia começar a partilhar os clientes com Alfredo e correria o risco de fazer menos lucro e prejudicar o negócio por sua culpa. Assim sendo, à luz do art.69º/1/a do CPA Berto deveria ter sido afastado desta decisão sob pena de violação deste Princípio. Não tendo isto ocorrido estamos perante uma situação de ilegalidade que gera anulabilidade de acordo com a leitura do art.163º.

 Quanto ao pedido de Alberto para saber o conteúdo das reuniões e das actas, tratando-se da Assembleia Municipal as reuniões são públicas (art.49º/1 da LAL), estas deliberações devem ser ainda publicadas no D.R (art.56ºLAL). Este direito decorre também do direito à informação consagrado no CPA que confere ao particular o direito de saber o andamento do procedimento e decisões que foram tomadas e que lhe digam directamente respeito (art.82º e seguintes do CPA). Alberto tinha então o direito de ser informado sob pena de anulabilidade do acto por vício de forma (163º).


Relativamente à conversa com Carlos que o leva a manter o restaurante aberto esta carece de uma característica essencial do acto. Para haver um acto administrativo este tem de ser emanado por um órgão administrativo (ou outro órgão público autorizado) no âmbito de funções administrativas. Ora neste caso, apesar de haver muitas testemunhas desta conversa, a par da sua realização, a mesma não é feita no exercício de funções Administrativa de Carlos mas sim num mero jantar de amigos, carecendo de várias formalidades essenciais para a tomada desta decisão. Carecendo de elementos estruturais que permitam identificar um tipo legal de acto administrativo encontramo-nos perante um acto inexistente. Não estamos perante a falta de apenas um elemento essencial (como no caso da nulidade) mas sim de vários, para além disso distingue-se da nulidade uma vez que esta comporta os efeitos putativos do acto nulo (art.162º/3CPA), enquanto no caso da inexistência não se verifica a produção de efeitos jurídicos.

Quanto ao despacho, este tem carácter decisório e eficácia externa pelo que se trata de um acto administrativo (art.148ºCPA). O Presidente da Câmara tem capacidade para tomar esta decisão pelo que se cumprir todas as fases do procedimento administrativo já mencionadas anteriormente este ato é válido e revoga o anterior (165º/1).


 Ana Beatriz Gomes Pereira
Nº25816

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