segunda-feira, 30 de maio de 2016

A importância dos direitos fundamentais nas relações especiais de poder


Os direitos fundamentais, consagrados nos artigos 16º e 17º da Constituição da República Portuguesa, são normas de valor que devem valer para toda a ordem jurídica. A dignidade humana continua a ser o ponto de partida, não como liberdade do individuo isolado mas sim como livre desenvolvimento da personalidade de homens solidários integrados numa sociedade e responsáveis perante ela.
Os direitos fundamentais devem valer também como direitos subjectivo contra as entidades privadas que constituem verdadeiros poderes sociais ou mesmo perante indivíduos que disponham, na relação com outros, de uma situação real de poder que possa equiparar-se, nesse ponto concreto, à supremacia do Estado.

As relações especiais de poder introduzem-se na esfera interna da Administração, qualificadas de isenção jurídica e caracterizadas pelas restrições e obrigações impostas aos particulares que mantêm esse tipo de vínculo diferenciado com o Poder Público, tais como os alunos de escolas públicas, agentes públicos e presidiários.

Identificando o Estado como pessoa unitária, na qual haveria uma única vontade, não seria reconhecida a pluralidade de vontades exigida para a configuração de uma relação jurídica.
Esse entendimento, que não confere carácter jurídico às relações internas do Estado, foi desenvolvido pela doutrina alemã, a qual distinguia actos administrativos e actos internos, sendo que apenas os primeiros estariam submetidos ao princípio da legalidade.
Paulo Otero afirma que a definição da organização interna da Administração Pública como um espaço de isenção jurídica decorre da concepção liberal segundo a qual a Administração não poderia invadir a esfera dos particulares. Foram criadas esferas diferentes, sendo que a organização interna da Administração não afectaria, em hipótese alguma, direitos dos particulares. Logo, não haveria necessidade de intervenção parlamentar nesse âmbito interno, que se viu livre de qualquer incidência jurídica.

As situações de poder especial são muito diferenciadas, e o grau e a medida da aplicabilidade imediata dos direitos, liberdades e garantias têm necessariamente de variar conforme os tipos de situações e as circunstâncias que só em concreto podem em última análise ser determinadas. Assim, segundo o professor Vieira de Andrade, não pode ser tratada da mesma maneira a relação de poder que existe entre menores e pais e aquela que liga um empregador a um empregado ou o utente de uma instalação privada e a respectiva administração, tal como merecem tratamento diferenciado as relações entre os grupos e os membros.

Uma das características atribuídas aos direitos fundamentais implica no reconhecimento de que referidos direitos são relativos, pois são inúmeras as situações nas quais o conflito de interesses implicará na escolha da decisão a ser proferida pelo intérprete, que determinará, diante das peculiaridades do caso concreto, qual interesse deverá prevalecer.


Cabral de Moncada entende ser possível admitir a existência de relações especiais de sujeição, desde que resguardada a “regulação mínima” de alguns aspectos chave, como vem a ser o caso da tutela dos direitos fundamentais. Admitem-se restrições aos direitos fundamentais, desde que estejam previstas legalmente, ainda que o fundamento legislativo seja mínimo.
Passa a existir, no entendimento de Cabral de Moncada, o que se denomina “inversão de perspetivas”: “enquanto no passado se reconheciam as relações de sujeição para delas decorrerem as consequências que lhe seriam implícitas, actualmente se deve partir da lei e apenas dela para se chegar às restrições”. É imprescindível pontuar, que a evolução do Estado de Direito pauta-se sempre pela dignidade da pessoa humana.

Com base no que foi referido anteriormente podemos concluir que o critério de desigualdade ou do poder social não deve ser entendido como um critério classificatório, que nos permitisse determinar as entidades que, além do Estado e mais pessoas colectivas públicas, sejam sujeitos passivos dos direitos fundamentais. 
Os particulares poderão assim, de acordo com a natureza especifica, razão de ser e a intensidade do poder exercido (na falta ou insuficiência de lei ou contra ela, se inconstitucional), invocar os direitos fundamentais que asseguram a sua liberdade, por um lado, e exigir, por outro, uma igualdade de tratamento em relação a outros indivíduos nas mesmas circunstâncias (arguindo a validade dos atos que ofendam os princípios constitucionais ou reclamando a indemnização dos danos causados), em termos semelhantes àqueles em que o podem fazer perante os poderes públicos.


Obviamente, as normas legais podem (e devem ser interpretadas em conformidade com os direitos fundamentais), nos termos e com os limites em que é geralmente admitida a interpretação em conformidade com a constituição.
No caso de não existir uma norma legal que regule directamente a situação, não fica o juiz privado da possibilidade de atender aos preceitos constitucionais para definir a norma de decisão do caso. Deve, se for caso disso, recorrer aos conceitos abertos próprios do direito privado e preenche-los com a ajuda dos valores constitucionais. Se tal se revelar insuficiente, deverá o juiz decidir o caso a partir dos princípios gerais, aplicando o princípio da harmonização, sempre que se possa afirmar que há um valor ou interesse constitucionalmente relevante que se contrapõe à eficácia normativa absoluta do preceito constitucional (normalmente, a autonomia privada).


Proponho que a nossa Constituição seja interpretada no sentido de consagrar o princípio da liberdade como regra das relações entre indivíduos iguais. Esta regra tem, contudo, os seus limites. Não pode admitir-se que na vida social privada as pessoas, mesmo em situação de igualdade, possam ser tratadas como se não fossem seres humanos. Tal seria a negação do axioma antropológico que dá fundamento à própria ideia de direitos fundamentais. Por isso, a dignidade humana, enquanto conteúdo essencial absoluto do direito, nunca pode ser afetada - esta é a garantia mínima que se pode retirar da Constituição. 


De facto, a Constituição, ao atribuir direitos fundamentais ao indivíduo, afasta a hipótese deste ser visto como um mero objeto de poder, considerando-o ainda como parte no contencioso administrativo, que é um processo de partes e tem por objeto relações jurídico-administrativas, (artigos 20º nº1 e nº3, 268º nº4 e 5, 214º nº3 da Constituição da República Portuguesa), acrescentado o facto de que todas as relações jurídicas são sempre submetidas ao príncipio da legalidades e à indispensável tutela dos direitos fundamentais, ambos consagrados na Constituição, e que limitam a supremacia do poder administrativo.

Quer isto dizer que independentemente da relação especial de poder que exista entre o particular e as demais entidades do Estado, os direitos fundamentais estão, constitucionalmente protegidos contra todos os órgãos de soberania que não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição (art. 19 nº1), e nem mesmos nestes casos não pode afetar nunca os direitos à vida, à integridade e à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, à não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e religião e, no caso de estado de emergência, só pode determinar a suspensão parcial dos direitos (nº4 e nº5 do artigo 19º).


Bibliografia:
Luís Cabral Moncada, As relações especiais de poder no Direito Português, SPB Editores e Livreiros, 1977.
Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, 3.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 314 e ss.
OTERO, Paulo. Conceito e fundamento da hierarquia administrativa. Coimbra: Coimbra Editora, 1992.



Inês do Carmo nº23738

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