quarta-feira, 11 de maio de 2016

O PRINCIPIO DA BOA ADMINISTRAÇÃO

O novo Código de Procedimento Administrativo (adiante designado por CPA) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, no capítulo II, sob a epígrafe Princípios Gerais da Atividade Administrativa, consagra o Principio da legalidade, Principio da prossecução do interesse público e da proteção dos direitos dos cidadãos, Principio da Igualdade, Principio da proporcionalidade, Principio da Justiça e da razoabilidade, Principio da Imparcialidade, Principio da Boa-fé, Principio da colaboração com os particulares , Principio da participação, Principio da decisão, Princípios aplicáveis à administração eletrônica, Principio da gratuitidade, Principio da responsabilidade, Principio da Administração aberta, Principio da proteção dos dados pessoais, Principio da cooperação leal com a União Europeia, e o Principio da Boa administração.
São ao todo 17 princípios consagrados no CPA, mas aos quais irei abordar apenas o último, o Principio da Boa Administração.
O preâmbulo do novo CPA, faz referência à inserção no novo Código do princípio da boa administração, indo ao encontro ao que era sugerido pelo direito comparado, com essa ou outra designação, e a sugestões da doutrina.
Com este principio integram-se os princípios constitucionais da eficiência, da aproximação dos serviços das populações e da desburocratização.
Tratou-se de uma revisão que foi-se tornando necessária à medida que o tempo passava, nomeadamente, entre outros factores, pelas novas exigências que foram colocadas à Administração Pública, ao exercício da função administrativa, e a alteração do quadro em que esta última era exercida, tanto por força da lei como do direito da União Europeia, que impunham que essas exigências tivessem correspondência no texto do Código.
O Direito da União Europeia, no ano de 2000, inscreveu no seu artigo 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ( adiante designada por CDFUE), o “direito a uma boa administração”, Carta essa que foi recebida pelo Tratado de Lisboa, a qual ganhou desde 2009 força vinculativa.

CDFUE
Artigo 41.o
Direito a uma boa administração
1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados pelas instituições e órgãos da União de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente: o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afecte desfavoravelmente, o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial, a obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas decisões.
3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da Comunidade, dos danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das respectivas funções, de acordo com os princípios gerais comuns às legislações dos Estados-membros.
4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da União numa das línguas oficiais dos Tratados, devendo obter uma resposta na mesma língua.

    Já antes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a jurisprudência, nomeadamente desde do Acórdão Tchnishe Universitat Munchen, através do Tribunal do Luxemburgo, realça para a necessidade da observância de garantias procedimentais, tais como “ a obrigação para a instituição competente de examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso em apreço, o direito do interessado a dar a conhecer o seu ponto de vista, bem como o direito a uma fundamentação suficiente da decisão”.

Verificados os pressupostos que tiveram na origem deste principio da boa administração, voltemos ao nosso Art.º 5.º do CPA, e sua respectiva análise.

Artigo 5.º
Princípio da boa administração

1 - A Administração Pública deve pautar-se por critérios de eficiência, economicidade e celeridade.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração Pública deve ser organizada de modo a aproximar os serviços das populações e de forma não burocratizada.

Ao olharmos para o art.º 5.º do CPA, cabe-nos fazer uma maior dissertação no sentido de percebermos o verdadeiro sentido deste principio.
Analisando comparativamente o n.º 1 do art.º 5.º do CPA e o n.º 2 do art.º 41.º da Carta dos Direitos Fundamentais, verificamos uma maior abertura do conceito na CDFUE, do que aquele que é apresentado no aludido número do CPA, na medida em que este último aglutina o conceito abrangente que está definido na CDFUE, cingindo-se a um conceito quanto a mim,  pobre na sua amplitude, remetendo-se apenas para os pressupostos da economicidade, eficácia e eficiência.
Nas palavras do Professor Vasco Pereira da SIlva, relativamente à maior abertura definida no n.º 2 do art.º 41 da CDFUE, e que o professor denomina como uma cláusula aberta, este refere também tratar-se de uma clausula imprescindível enquanto concretizadora do conceito due processo of law, também este uma cláusula aberta de garantia de direitos procedimentais, que visa assegurar o direito à defesa e consagrar o principio do contraditório.
Parece-nos ainda que este principio traduz como que uma obrigação de prosseguir o art.º 4.º do CPA, ou seja a prossecução do interesse público, quer na vertente da elaboração das soluções mais eficientes, expeditas ou racionais, quer na vertente do ponto de vista técnico ou de uma perspectiva financeira.
Para o Professor Freitas do Amaral, a relevância prática e jurídica deste dever da boa administração tem sido posta em causa, na medida em que se trata de um dever jurídico imperfeito, uma vez que não é assistido de uma sanção jurisdicional, ou seja, o mérito das decisões administrativas não é aferido pelos tribunais.
Logo à partida, a possibilidade de obtermos uma determinada declaração por parte de um tribunal, que indique que uma determinada solução não é a mais eficiente do ponto de vista técnico, administrativo ou financeiro é impossível. E a razão dessa impossibilidade é nos dada pelo facto de que os tribunais só se podem pronunciar sobre a legalidade das decisões administrativas, e não acerca do mérito dessas decisões.
Segundo o Professor Freitas do Amaral, existem duas questões que temos de ter em consideração quanto ao principio da boa administração, nomeadamente a juridicidade e a justiciabilidade. O facto de não se conseguir uma declaração do tribunal nos termos do parágrafo anterior, segundo o Professor Freitas do Amaral, faz-nos considerar que este principio é um dever jurídico mas sem o efeito da justiciabilidade.
Já quanto à juridicidade, esta existe no dever da boa administração, e podem ser constatadas por exemplo, na possibilidade da impugnação administrativa, podendo nestes casos os particulares invocar como fundamento vícios de mérito, na possibilidade da abertura de inquérito aos funcionários públicos, por infração disciplinar por violação do dever de zelo e aplicação, e por último a possibilidade da medida da culpa do agente administrativo ou da administração, tendo em conta o grau de diligência e de zelo empregues,  e os respectivos limites da responsabilidade, quando estes praticarem atos ilícitos e culposos que causem prejuízos para terceiros.

José Marques
FDUL - 24674
Direito Administrativo II

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