A Audiência dos Interessados
O tema escolhido é a audiência dos
interessados, o que nos obriga a começar por fazer referência ao procedimento
administrativo. No artigo 1.º, n.º 1, do CPA, o legislador entende o
procedimento administrativo como “ […] a sucessão ordenada de atos e
formalidades relativos à formação, manifestação e execução da vontade dos
órgãos da Administração Pública.”. Esta sucessão ou, se preferirmos, sequência
juridicamente ordenada está prevista no artigo 267.º da CRP, prevendo-se uma
série de fins a prosseguir no procedimento administrativo. Esta sequência
apresenta-se juridicamente ordenada no CPA e respeita aos atos jurídicos, ou às
formalidades que se traduzem num conjunto de documentos devidamente ordenados.
Nesta medida, a atividade da administração pública é, em boa parte, uma
atividade processual que detém uma certa sequência que se prolonga no tempo. Na
referida sequência verificam-se tanto os atos, por exemplo a decisão final,
como as formalidades, destacando os prazos mencionados no capítulo V do CPA. Em
seguida, o procedimento administrativo tem como objetivo preparar a execução de
um ato da administração, que pode ser um ato administrativo ou um regulamento.
No artigo 53.º do CPA, nas disposições gerais do regime comum do procedimento
administrativo, aborda-se a iniciativa, “O procedimento administrativo
inicia-se oficiosamente ou a solicitação dos interessados.”. Iniciado o procedimento,
tornou-se prático apresentá-lo com fundamento numa estrutura tripartida, que
consiste nas fases preparatória, constitutiva e complementar da decisão. Na
primeira fase do procedimento administrativo encontramos a instrução, que
procede à recolha dos elementos necessários à tomada de decisão. Em regra,
antes de entrarmos na segunda fase que respeita à tomada de decisão, procede-se
à audiência dos interessados, que desempenha uma função autónoma relativamente
à instrução. A audiência dos interessados aparece como reflexo do artigo 267.º,
n.º 5, da CRP, que manifesta “ […] a participação dos cidadãos na formação das
decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.”, bem como corolário da
democracia participativa. Além disso, a audiência dos interessados manifesta
dois princípios gerais concebidos no CPA, designadamente o princípio da
colaboração com os particulares, contido no artigo 11.º, e o princípio da
participação, previsto no artigo 12.º. No regime comum do CPA aparece uma
primeira alusão à audiência dos interessados, no artigo 80.º. Mais adiante,
regulou-se este momento formal tanto no procedimento do regulamento
administrativo no artigo 100.º do CPA, como no procedimento do ato
administrativo no artigo 121.º.
No procedimento do ato administrativo
têm-se em vista a tomada de uma decisão concreta, sendo justificável que os
titulares de direitos ou interesses individuais suscetíveis de ser afetados
pela decisão se tornem como interessados. Exemplificando, em 2013, o Município
de Esposende avançou com o processo de expropriação de uma parcela de terreno
pertencente a um particular, com o intuito de alargar a Rua Padre José Pires
Afonso, em Palmeira de Faro. Tratou-se de um ato primário da administração,
mais concretamente um ato ablativo que, como indica Freitas do Amaral (2014) “
[…] impõe a extinção ou a modificação do conteúdo de um direito.”. Com efeito,
suponhamos que antes da decisão da administração, realizou-se a audiência dos
interessados com a presença do proprietário do terreno. O artigo 121.º do CPA
consagrou o direito de audiência prévia com exceções previstas no artigo 124.º
do CPA. Contudo, o n.º 2, do artigo 124.º salienta que, mesmo em situações
excecionais a decisão final deve indicar as razões da não realização da
audiência. A nível formal, nos termos dos artigos 268.º, n.º 3, da CRP, e do
artigo 122.º do CPA, o proprietário foi notificado para a audiência dos
interessados pelo órgão responsável pela direção do procedimento que determinou
através do seu poder discricionário se a audiência se processava na forma
escrita ou na forma oral. A notificação compreendera o projeto de decisão e
outros elementos essenciais para a decisão, bem como informações em relação à
consulta do processo. Perante esta decisão agressiva da administração para com
o particular convém referir o artigo 62.º, n.º 2, da CRP, que indica que para a
expropriação por utilidade pública ocorra terá de ter a sua base na lei e,
obviamente ser efetuado o pagamento como indemnização ao particular pela
privação da posse da propriedade. Assim, podemos concluir que a ampla
participação do particular no procedimento administrativo não altera a natureza
unilateral do ato administrativo. Posto isto, no sentido do artigo 100.º, n.º
1, do CPA, no procedimento do regulamento a realização da audiência dos
interessados só acontecerá “ Tratando-se de regulamento que contenha
disposições que afetem de modo direto e imediato direitos ou interesses
legalmente protegidos dos cidadãos […]. Nesta circunstância, o responsável pela
direção do procedimento remete o projeto de regulamento por um prazo adequado,
mas não inferior a trinta dias. O projeto de regulamento é uma inovação da
revisão de 2015 do CPA e encontra-se no artigo 99.º. Em relação a interessados
que tenham interesses difusos, a sua participação já será efetuada segundo um
modelo diferente: a consulta pública. Por exemplo, o Secretário de Estado
Adjunto do Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, no exercício da
competência que lhe foi delegada nos termos do despacho n.º 8918/2013, de 6 de
junho, determinou no despacho normativo n.º19-A/2015 a aprovação do Regulamento
do Programa Escolhas.
O presente regulamento visa desenvolver
medidas, programas e ações no domínio da inclusão social de crianças e jovens
provenientes de contextos socioeconómicos mais desfavoráveis, cujos
destinatários são sobretudo descendentes de imigrantes e de grupos étnicos. Nesta
situação entramos nos interesses difusos, ou seja, no campo das exceções à
realização de audiência dos interessados. O artigo 100.º, n.º3, alínea c), do
CPA indica a exclusão quando “O número de interessados seja de tal forma
elevado que a audiência se torne incompatível, devendo nesse caso proceder-se a
consulta pública;”, que se encontra estabelecida no artigo 101.º do CPA.
Conforme prevê o n.º 1 do referido artigo, o projeto de regulamento é submetido
a consulta pública pelo órgão competente com o intuito de recolher sugestões. Consequentemente,
convém remeter para as situações em que não houve audiência dos interessados
quando era obrigatório por lei, o que traduzir-se-ia numa ilegalidade por vício
de forma. Em primeiro lugar cumpre saber qual a sanção aplicável. Se
entendermos a audiência dos interessados como um direito fundamental será a
nulidade do ato final do procedimento, ao invés, se não for um direito
fundamental será a anulabilidade. Na maioria da doutrina e na jurisprudência do
Supremo Tribunal Administrativo tem prevalecido a anulabilidade, não
considerando que os artigos 267.º, n.º 5, e o 268.º, n.º 3, ambos da CRP,
possam ser comparados aos que estão no capítulo dos direitos, liberdades e
garantias. É oportuno avançar com uma justificação sustentável para tal
postura. Mário Almeida (2015) transparece o seguinte entendimento face ao
artigo 267.º, n.º5, da CRP, “ […] este preceito constitucional tem por objeto
regular a estrutura organizatória da Administração Pública, pelo que dele não
decorre um direito à participação procedimental, e muito menos à audiência
prévia, passível de ser imediatamente invocado pelos cidadãos interessados
perante as autoridades administrativas e de, por isso, ser judiciável com base
direta no texto constitucional.”. Para finalizar, concluímos que, a audiência
dos interessados enriqueceu a qualidade do ato administrativo através de uma
melhor ponderação de todos os interesses envolvidos ou prejudicáveis pelo ato.
Tiago Mota n.º 25799
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