domingo, 29 de maio de 2016

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“ O poder de revogação de atuações administrativas ilegais (independentemente da respetiva forma), pela Administração Pública, configura  uma  manifesta  entorse  ao princípio  da  segurança  jurídica  e  ao  monopólio  do  controlo  da  legalidade  pelos tribunais administrativos”.

Paulo Otero

Em primeiro lugar importa considerar que a Administração Pública está sujeita ao princípio da legalidade (art.3ºCPA) nas suas duas modalidades, por um lado a preferência de lei por outro, a reserva de lei. A violação por parte da A.P de qualquer uma das categorias de normas imposta, implica a violação deste princípio, consubstanciando uma ilegalidade. Constituí uma excepção ao princípio da legalidade a situação de Estado de Necessidade, no entanto a situação da discricionariedade administrativa já não se configura como uma excepção mas sim numa certa liberdade e espaço de manobra que a lei confere à Administração, sendo a lei habilitante um requisito fundamental para que esta discricionariedade seja conferida.
Quanto à ilegalidade do acto administrativo, como já referimos, esta passa pela desconformidade do acto em relação à lei (CRP, lei ordinária, regulamentos, contratos, atos…). A ilegalidade pode, todavia revestir várias formas, a que chamamos vícios do acto administrativo (porque são formas específicas que a ilegalidade do acto pode revestir), tratando-se de vícios de natureza orgânica (usurpação do poder e incompetência), de natureza formal (vício de forma) e de natureza material (violação da lei e desvio de poder).
A par destas ilegalidades e ilicitudes surgem consequências que consistem nas sanções que a ordem jurídica determina no caso de estarmos perante actos administrativos ilegais, ilícitos ou viciados na vontade. Consideram-se então formas de invalidade do acto administrativo a nulidade (art.161ºCPA) e a anulabilidade (art.163ºCPA).
A nulidade é a forma mais grave da invalidade pelo que não produz qualquer efeito, é insanável, particulares e funcionários públicos podem resistir a ordens que constem de um acto nulo, tendo direito de resistência passiva caso a administração os obrigue, pode ser impugnado a todo o tempo e junto de qualquer tribunal, pode ser conhecida a todo o tempo por qualquer órgão administrativo. Já a anulabilidade é uma sanção menos grave com características diferentes uma vez que é eficaz até ao momento em que o acto é anulado, podendo ser sanável. O acto anulável é obrigatório e não lhe assiste qualquer tipo de resistência, só pode ser impugnado num prazo determinado e perante um tribunal administrativo, tem efeitos retroactivos.
É nesta dicotomia, de acto nulo acto anulável que surgem algumas manifestações deste princípio da segurança, este é um dos princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, implicando assim a existência de uma situação de certeza e segurança nos direitos dos indivíduos e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade, na ordem jurídica e na actuação do Estado. Ora esta excecionalidade do regime da nulidade sendo este aplicado apenas em situações extremas, mostra uma tentativa de preservar esta segurança da ordem jurídica.
 Caso fosse o regime da nulidade a vigorar com as suas características nunca teríamos certezas de que os actos da A.P fossem legais ou ilegais pois esta ilegalidade poderia ser decretada a todo o tempo por qualquer tribunal. A regra é então a de que o acto inválido é anulável, ou seja, se ao fim de um certo prazo ninguém pedir a sua anulação ele converte-se num acto válido. Apenas em certos casos consagrados no artigo 161º do CPA, casos estes excepcionais, é que se aplica o regime da nulidade, caso nada diga a invalidade corresponderá sempre à anulabilidade. Com a redação do novo CPA relativamente à questão da nulidade ainda se torna mais fácil apurar o seu caracter, uma vez que no CPA antigo surgiam questões na sua redação, nomeadamente ao que se deveria entender pela expressão “elementos essenciais do ato”, no CPA de 2015 este problema foi resolvido, acabando-se com esta clausula geral de nulidade por natureza, tipificando-se as situações de nulidade e restringindo-as somente as circunstancias em que o legislador assim as considera, sendo este mais um dos contributos para o aumento da segurança jurídica.
Por outro lado a segurança jurídica está ainda presente no artigo.163º/5 do CPA onde o legislador consagrou o princípio do aproveitamento do acto administrativo, de forma a proteger o particular e as suas expectativas, aplicando a anulabilidade do acto só em situações em que esta é mesmo necessária.
A revogação consiste no acto administrativo que se destina a extinguir totalmente ou em parte os efeitos de um acto administrativo anterior, estando o seu regime consagrado nos artigos 165º e seguintes do CPA, distingue-se do regime da anulabilidade uma vez que tem por base razões de mérito, conveniência ou oportunidade (art.165º/1 CPA). Nos casos de invalidade referidos em cima estamos então sob o regime da anulabilidade e excepcionalmente da nulidade, sendo afastado o regime da revogação (art.166º/1)/a e b).
Relativamente aos regulamentos administrativos, também estes podem ser revogados pelos órgãos competentes (art.146ºCPA), no caso de estarmos perante situações de ilegalidade deve ser aplicado o regime de invalidade (143º e 144º CPA), podendo esta ser invocada a todo o tempo excepto em caso de ilegalidade formal ou procedimental da qual não conste nenhuma inconstitucionalidade). A declaração de nulidade tem efeitos rectroactivos sem prejuízo do disposto no art.144º/4.
No que toca aos contratos administrativos, também estes são suscetíveis de ilegalidade e invalidade e podem ser declarados nulos ou anuláveis consoante a nulidade tenha sido judicialmente declarada ou possa ainda sê-lo, ou se forem anuláveis ou anulados os actos procedimentais em que tenha assentado a sua celebração (art.283º CCP). A invalidade declarada pode ser derivada ou própria do contrato, em relação a esta última é regida pelo art.284º do CCP. Relativamente ao regime de invalidade este está regulado no art.285º: se se tratar de contratos administrativos passíveis de actos administrativos ou poderes públicos é aplicável o disposto no CPA sobre invalidade do acto administrativo, a todos os outros contratos nomeadamente os passíveis de negócio jurídico aplicasse o regime estabelecido no Código Civil.
A respeito do tribunal administrativo os seus órgãos e funções estão consagrados no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Lei 13/2002). Os tribunais administrativos configuram uma inovação dos sistema executivo francês, criados com o objectivo de possibilitar o privilégio da execução prévia ou auto-tutela executiva, permitindo que a administração execute os seus actos administrativos, podendo esta agir previamente sem ter de recorrer aos tribunais comuns. A A.P. pode então impor o cumprimento do acto, contrariamente ao que se passa no sistema inglês onde os casos têm de passar sempre pelos tribunais comuns para que seja possível à Administração tomar uma decisão.
Hoje em dia já não há esta distinção clara entre sistema judicial e executivo, porquanto que no sistema inglês já há muitos tribunais onde há execução prévia e no sistema francês tem-se sentido o inverso, uma vez que com o novo CPA esta tem sido abolida em muitos casos, restringindo-se hoje em dia apenas aos casos previstos na lei. Esta aproximação tem sido promovida sobretudo pelo Direito da U.E. uma vez que quase todo direito administrativo hoje em dia está muito marcado pela sua intervenção.
Posto isto, na nossa realidade o poder dos tribunais administrativos está consagrado da CRP, mais especificamente no art.212º, cabe então a estas entidades a fiscalização da actividade administrativa, para que haja uma maior protecção dos particulares e um melhor controlo da administração. É também para garantir a legalidade de todas as normas e maior segurança jurídica que na criação de actos, regulamentos e contratos, a administração deve sempre agir conforme a lei, usando o seu poder discricionário apenas quando lhe é permitido. Com vista à protecção dos particulares e também da A.P. esta deve ter atenção à fundamentação de todos os seus atos bem como a todas as etapas do procedimento administrativo, nomeadamente na audiência dos interessados.

Assim quando um acto é revogado será claro para os tribunais administrativos averiguar o porquê dessa revogação e se esta foi feita de forma justa, reduzindo assim as situações de ilegalidade e insegurança.

Ana Beatriz Gomes Pereira
Nº 25816

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