Comente a
seguinte frase:
“ O poder de revogação de atuações administrativas ilegais (independentemente
da respetiva forma), pela Administração Pública, configura uma
manifesta entorse ao princípio
da segurança jurídica
e ao monopólio
do controlo da legalidade pelos tribunais administrativos”.
Paulo Otero
Em primeiro lugar importa
considerar que a Administração Pública está sujeita ao princípio da legalidade
(art.3ºCPA) nas suas duas modalidades, por um lado a preferência de lei por
outro, a reserva de lei. A violação por parte da A.P de qualquer uma das
categorias de normas imposta, implica a violação deste princípio, consubstanciando
uma ilegalidade. Constituí uma excepção ao princípio da legalidade a situação
de Estado de Necessidade, no entanto a situação da discricionariedade administrativa
já não se configura como uma excepção mas sim numa certa liberdade e espaço de
manobra que a lei confere à Administração, sendo a lei habilitante um requisito
fundamental para que esta discricionariedade seja conferida.
Quanto à ilegalidade do acto
administrativo, como já referimos, esta passa pela desconformidade do acto em
relação à lei (CRP, lei ordinária, regulamentos, contratos, atos…). A
ilegalidade pode, todavia revestir várias formas, a que chamamos vícios do acto
administrativo (porque são formas específicas que a ilegalidade do acto pode
revestir), tratando-se de vícios de natureza orgânica (usurpação do poder e
incompetência), de natureza formal (vício de forma) e de natureza material
(violação da lei e desvio de poder).
A par destas ilegalidades e
ilicitudes surgem consequências que consistem nas sanções que a ordem jurídica
determina no caso de estarmos perante actos administrativos ilegais, ilícitos ou
viciados na vontade. Consideram-se então formas de invalidade do acto
administrativo a nulidade (art.161ºCPA) e a anulabilidade (art.163ºCPA).
A nulidade é a forma mais grave
da invalidade pelo que não produz qualquer efeito, é insanável, particulares e
funcionários públicos podem resistir a ordens que constem de um acto nulo,
tendo direito de resistência passiva caso a administração os obrigue, pode ser
impugnado a todo o tempo e junto de qualquer tribunal, pode ser conhecida a
todo o tempo por qualquer órgão administrativo. Já a anulabilidade é uma sanção
menos grave com características diferentes uma vez que é eficaz até ao momento
em que o acto é anulado, podendo ser sanável. O acto anulável é obrigatório e
não lhe assiste qualquer tipo de resistência, só pode ser impugnado num prazo
determinado e perante um tribunal administrativo, tem efeitos retroactivos.
É nesta dicotomia, de acto nulo
acto anulável que surgem algumas manifestações deste princípio da segurança,
este é um dos princípios classificadores do Estado de Direito Democrático,
implicando assim a existência de uma situação de certeza e segurança nos
direitos dos indivíduos e nas expectativas juridicamente criadas a que está
imanente uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade, na
ordem jurídica e na actuação do Estado. Ora esta excecionalidade do regime
da nulidade sendo este aplicado apenas em situações extremas, mostra uma
tentativa de preservar esta segurança da ordem jurídica.
Caso fosse o regime da nulidade a vigorar com
as suas características nunca teríamos certezas de que os actos da A.P fossem
legais ou ilegais pois esta ilegalidade poderia ser decretada a todo o tempo
por qualquer tribunal. A regra é então a de que o acto inválido é anulável, ou
seja, se ao fim de um certo prazo ninguém pedir a sua anulação ele converte-se
num acto válido. Apenas em certos casos consagrados no artigo 161º do CPA,
casos estes excepcionais, é que se aplica o regime da nulidade, caso nada diga
a invalidade corresponderá sempre à anulabilidade. Com a redação do novo CPA
relativamente à questão da nulidade ainda se torna mais fácil apurar o seu caracter,
uma vez que no CPA antigo surgiam questões na sua redação, nomeadamente ao que
se deveria entender pela expressão “elementos essenciais do ato”, no CPA de
2015 este problema foi resolvido, acabando-se com esta clausula geral de nulidade
por natureza, tipificando-se as situações de nulidade e restringindo-as somente
as circunstancias em que o legislador assim as considera, sendo este mais um
dos contributos para o aumento da segurança jurídica.
Por outro lado a segurança
jurídica está ainda presente no artigo.163º/5 do CPA onde o legislador
consagrou o princípio do aproveitamento do acto administrativo, de forma a proteger
o particular e as suas expectativas, aplicando a anulabilidade do acto só em
situações em que esta é mesmo necessária.
A revogação consiste no acto
administrativo que se destina a extinguir totalmente ou em parte os efeitos de
um acto administrativo anterior, estando o seu regime consagrado nos artigos
165º e seguintes do CPA, distingue-se do regime da anulabilidade uma vez que
tem por base razões de mérito, conveniência ou oportunidade (art.165º/1 CPA).
Nos casos de invalidade referidos em cima estamos então sob o regime da anulabilidade
e excepcionalmente da nulidade, sendo afastado o regime da revogação
(art.166º/1)/a e b).
Relativamente aos regulamentos
administrativos, também estes podem ser revogados pelos órgãos competentes
(art.146ºCPA), no caso de estarmos perante situações de ilegalidade deve ser aplicado
o regime de invalidade (143º e 144º CPA), podendo esta ser invocada a todo o
tempo excepto em caso de ilegalidade formal ou procedimental da qual não conste
nenhuma inconstitucionalidade). A declaração de nulidade tem efeitos
rectroactivos sem prejuízo do disposto no art.144º/4.
No que toca aos contratos administrativos,
também estes são suscetíveis de ilegalidade e invalidade e podem ser declarados
nulos ou anuláveis consoante a nulidade tenha sido judicialmente declarada ou
possa ainda sê-lo, ou se forem anuláveis ou anulados os actos procedimentais em
que tenha assentado a sua celebração (art.283º CCP). A invalidade declarada
pode ser derivada ou própria do contrato, em relação a esta última é regida
pelo art.284º do CCP. Relativamente ao regime de invalidade este está regulado
no art.285º: se se tratar de contratos administrativos passíveis de actos
administrativos ou poderes públicos é aplicável o disposto no CPA sobre invalidade
do acto administrativo, a todos os outros contratos nomeadamente os passíveis
de negócio jurídico aplicasse o regime estabelecido no Código Civil.
A respeito do tribunal administrativo
os seus órgãos e funções estão consagrados no Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais (Lei 13/2002). Os tribunais administrativos configuram
uma inovação dos sistema executivo francês, criados com o objectivo de
possibilitar o privilégio da execução prévia ou auto-tutela executiva, permitindo
que a administração execute os seus actos administrativos, podendo esta agir
previamente sem ter de recorrer aos tribunais comuns. A A.P. pode então impor o
cumprimento do acto, contrariamente ao que se passa no sistema inglês onde os
casos têm de passar sempre pelos tribunais comuns para que seja possível à Administração
tomar uma decisão.
Hoje em dia já não há esta
distinção clara entre sistema judicial e executivo, porquanto que no sistema
inglês já há muitos tribunais onde há execução prévia e no sistema francês
tem-se sentido o inverso, uma vez que com o novo CPA esta tem sido abolida em muitos
casos, restringindo-se hoje em dia apenas aos casos previstos na lei. Esta aproximação
tem sido promovida sobretudo pelo Direito da U.E. uma vez que quase todo
direito administrativo hoje em dia está muito marcado pela sua intervenção.
Posto isto, na nossa realidade o
poder dos tribunais administrativos está consagrado da CRP, mais especificamente
no art.212º, cabe então a estas entidades a fiscalização da actividade administrativa,
para que haja uma maior protecção dos particulares e um melhor controlo da
administração. É também para garantir a legalidade de todas as normas e maior
segurança jurídica que na criação de actos, regulamentos e contratos, a
administração deve sempre agir conforme a lei, usando o seu poder
discricionário apenas quando lhe é permitido. Com vista à protecção dos
particulares e também da A.P. esta deve ter atenção à fundamentação de todos os
seus atos bem como a todas as etapas do procedimento administrativo, nomeadamente
na audiência dos interessados.
Assim quando um acto é revogado
será claro para os tribunais administrativos averiguar o porquê dessa revogação
e se esta foi feita de forma justa, reduzindo assim as situações de ilegalidade
e insegurança.
Ana Beatriz Gomes Pereira
Nº 25816
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